Sunday, August 05, 2012

Thriller, delivery




Era uma dessas noites frias de inverno. Os ventos uivavam desfazendo a neblina pesada que pairava no nível das casas enquanto as luzes da cidade ao fundo projetavam no pórtico imagens extraordinárias de plantas e galhos de árvore embrenhados na névoa, retorcidos pelo vento. Do interior da residência, apreciávamos a paisagem lúgubre através da porta principal de vidro. Conversávamos na sala, embalados por uma ou outra dose de álcool – mas decerto nenhum de nós havia se excedido a ponto de creditar-se o que ocorreria aos efeitos relaxantes da bebida.
O tema da discussão era a troca de histórias do desconhecido, de modo que talvez o que se sucedeu pudesse ser atribuído, isto sim, às nossas mentes sugestionadas pelas narrações fantasiosas que se seguiam – ou a um certo estado famélico, embora desconheça as implicações que um estômago vazio possa causar quanto à visão de alucinações. Os mais atentos – e impressionáveis – objetarão, neste ponto, contra meu julgamento antecipado do fenômeno, atribuindo-o desde já a um desvario. Suspeitarão haver motivos sobrenaturais naquilo que sequer foi narrado. Mas a história que se segue, e que lhes conto agora, não é sobrenatural - por não haver indícios que apontem neste sentido. Tampouco (acertaram os que discordaram) alucinação. O que presenciamos naquela noite fora, portanto, real. E irrefutável.
Como disse, narrávamos histórias do oculto. Sendo o nosso grupo razoavelmente heterogêneo, e como muitos de nós nos conhecíamos há pouco tempo, os relatos eram em sua maioria inéditos para quem os ouvia. Farei, aqui, uma ressalva que julgo importante: a escolha deste assunto um tanto sinistro fora meramente eventual, e surgira naturalmente. Não houve, creio, da parte de nenhum dos presentes a intenção deliberada de conduzir a conversa nos domínios do pânico e do terror.
Pois bem. Entre um e outro “causo” (e havia os mais escabrosos) fazia-se um silêncio respeitoso, que servia a dois propósitos, sucessivamente: num primeiro momento ruminava-se a história contada, que, se bem-sucedida (não me recordo de relatos insossos, pois eram quase todos materialmente bons, e os ruins calhavam serem propostos pelos mais eloqüentes) deixaria os ouvintes em um nível de tensão menor que o do final do conto, porém maior do que no seu princípio. Em seguida, puxava-se pela memória, ou pela imaginação (as narrativas mais verossímeis são, via de regra, inventadas) algum novo mito, mistério ou lenda urbana. Como estávamos engajados nessa atividade já há algum tempo, naturalmente o nível de ansiedade naquela sala era consideravelmente alto, a ponto de qualquer ruído estranho – por mais natural que fosse – provocar calafrios até entre os menos impressionáveis. Como quando, da cozinha, o refrigerador começou a trabalhar num desses silêncios intervalares a que me referia. Rimos juntos, inocentes, do medo injustificado. Àquela altura não podíamos desconfiar quão breve seria aquele momento de descontração, e com qual facilidade nossas expressões coradas de alívio seriam consumidas pela lividez da visão do mais puro horror.
Do pórtico, um vulto cruza com desenvoltura e rapidez toda a extensão da porta principal pela qual observávamos sombras e nuvens dançantes à contraluz. Os efeitos da iluminação sobre o vidro fosco e a velocidade com que se movia contribuíram para que tivéssemos nos deparado com um vulto na melhor acepção da palavra: aquele espectro indistinto trajava sombras! Naquele segundo ou dois da sua aparição acreditei estar privado dos sentidos, ou pelo menos deles duvidava em grande conta. Pensei ter sido sua única testemunha. Quisera eu estar de fato privado deles, ou que permanecessem entorpecidos um momento mais para não sentir o gosto amargo daquele grito agudo que se podia pegar com as mãos. Era certo que víramos, todos, a mesma cena.
Aaaaaaaaarrrrghhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!!!!



(Continua...)

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